Eu minto, você mente, ele mente. Enfim, todos nós somos mentirosos. Pelo menos é o que afirma o pesquisador David Livingstone Smith, um conceituado estudioso da 'arte de mentir'. Ele é autor do livro 'Os fundamentos biológicos e psicológicos da mentira'. Segundo suas pesquisas, em média uma pessoa conta três mentiras a cada dez minutos.
Ou seja, se nós conversarmos com alguém durante uma hora, deveremos ouvir cerca de dezoito mentiras. Se somarmos com as nossas, a conta passa de 30. Vamos imaginar a hipótese absurda de que Smith tenha se enganado na conta, que tenha exagerado e dobrado o resultado. Mesmo assim sobra mentira.
O pesquisador ressalta que não são necessariamente mentiras pesadas, daquelas que levam a arder no inferno. Na maioria dos casos são as chamadas mentirinhas brancas, contadas com o objetivo de evitar constrangimentos sociais. Como dizer que alguém está bem fisicamente, quando qualquer um percebe que o sujeito engordou uns bons quilos.
Analisar ou interpretar o comportamento e a comunicação das pessoas é um bom exercício para a vida de todos nós. Nos encontros e embates dos negócios na vida corporativa, na convivência social, no relacionamento familiar com um pouco de observação e bastante prática entendemos melhor, não apenas o que as pessoas dizem, mas, principalmente, o que não dizem ou não gostariam de dizer.
O objetivo não deve ser o de caçar bruxas em todo canto. O fato de descobrir que uma pessoa mentiu não pressupõe que deva merecer o carimbo de desqualificada. Já vimos que mentir é normal. Eu mesmo tenho amigos queridos que vez ou outra, sem muito esforço, percebo que contam, digamos, umas inverdades. Querem apenas se defender, se projetar para serem mais admirados. Gosto deles do mesmo jeito.
Meu passatempo preferido são os discursos políticos. Seus autores são craques na arte de mentir. Por maior que seja a cautela do orador, entretanto, não tem jeito, um ponto sempre escapa na complexidade do texto. Na comunicação oral, então, os lapsos se ampliam com ajuda da entonação, das pausas, da respiração acelerada, de um olhar desviado e de tantos outros indicadores da intenção camuflada.
Nas últimas eleições, os debates entre os candidatos se constituíram num prato cheio para essa finalidade. Cheguei a assistir a um dos debates mais de 20 vezes. Alguns leitores dos meus textos me escreveram indignados: como foi que você chegou a essa conclusão absurda? Como foi que ele, eleitor do candidato, não percebera esse deslize?!
Respondia apenas que era a prática da análise. Na verdade, para eles observarem as incoerências precisavam ser isentos e imparciais. Como não eram, ficavam cegos ao que estava bem diante dos olhos. Pois é, queremos tanto acreditar que a mensagem seja verdadeira que não vemos os sinais da mentira.
Não é simples, nem fácil. É um aprendizado que exige muito estudo, capacidade de observação e longa prática. Há mentirosos tão competentes que eles mesmos chegam a acreditar nas próprias mentiras que contam. De novo podemos citar os políticos. Repetem tantas vezes as mesmas mentiras que julgam estar dizendo a verdade.
Outra tática que ilude a maioria dos observadores é a pessoa contar inúmeras verdades e no meio da conversa, com o mesmo ritmo e a mesma entonação incluir a mentira. Para quem ouve parece ser tudo verdade. Possuem tanta habilidade para mentir que dificilmente são desmascarados.
Nas primeiras tentativas podemos cometer equívocos. Um trejeito característico de certas pessoas pode ser visto como sinal da mentira, quando na realidade não é. Nós mesmos nos enganamos. Às vezes queremos tanto acreditar em uma informação que não nos permitimos ter dúvidas sobre sua autenticidade.
Smith diz que somente uma em cada mil pessoas identifica sinais de mentira nos outros. Mesmo aqueles muito treinados conseguem um percentual bastante baixo de acerto. Segundo ele, os políticos são tão bons mentirosos que chegam a iludir 90% desses observadores tarimbados.
Wilhelm Reich na obra 'Análise do caráter' diz que 'a linguagem humana atua, interfere na linguagem da face e do corpo. Por isso, a expressão total de um organismo deve ser literalmente idêntica à impressão total que o organismo provoca em nós'.
Por isso, mesmo sendo difícil, é possível descobrir quando uma pessoa mente. Ninguém consegue controlar o tempo todo a linguagem do corpo. Especialmente a fisionomia. Geralmente o mentiroso se trai pela comunicação fisionômica.
Aprender a identificar a mentira pode nos colocar a um passo adiante dos nossos interlocutores, evitar que sejamos enganados, ludibriados, mas não deve ser motivo para mantermos o dedo em riste sempre acusando as pessoas. Afinal, quem nunca mentiu que atire a primeira pedra.